domingo, 2 de outubro de 2011

BINGO - Distracções do Camané, por Júlia Ribeiro

O GRUPO DESPORTIVO DE MONCORVO (G.D.M.) , diz-nos o Camané, viveu sempre da carolice e da boa vontade das pessoas da vila, o que é normal em todas as colectividades amadoras. E o Camané sabe do que fala.
 Nos meses de Julho e de Agosto, o G.D.M. organizava jogos de Bingo no Jardim, antigamente chamado “Praça Nova” e hoje apelidado de “Jardim Dr. Horácio de Sousa”. O pessoal acorria como se de uma festa se tratasse. Vinham pessoas de todas as aldeias e até de outros concelhos, como de Mogadouro, Alfândega-da-Fé, Foz Côa, Vila Flor... O espaço do Jardim era pequeno para tanta gente! Todos queriam jogar no Bingo. E não era caso para menos, porque os prémios chegaram a alcançar uma boa quantia. Uma noite o prémio chegou aos 130.000$00 , ou seja, CENTO E TRINTA CONTOS! Era dinheiro! Era mesmo muito dinheiro!

Bar do GDM em 2007
A organização do jogo, a impressão dos boletins, a contagem dos boletins vendidos e dos não vendidos, a contagem dos boletins premiados e dos não premiados, a contagem do dinheiro entrado, o apuramento do montante do prémio e da percentagem para o G.D.M. , tudo tinha de bater certo. E batia . Ali, no vinte.
Havia ainda que estar atento ao andamento do jogo, dar a palavra de ordem: “Siga a Marinha” ao cantador do jogo, porque este não podia esmorecer e muito menos parar. Não se podia perder tempo, pois tempo é dinheiro e, neste caso, era mesmo dinheiro.
Mas tudo isto implicava muito trabalho e os seis elementos da direcção do G.D.M. eram poucos para tanta mão d’obra e muito poucos para tantas contas de cabeça e de papel e lápis.
No final de uma noite de grande afluência de jogadores, havia só que contar e guardar o dinheiro.
O Camané conta-nos: “Estávamos já todos extremamente cansados. Eu peguei nos boletins não vendidos e coloquei-os sobre a mesa, pensando que eram as notas. Peguei nas notas, rasguei-as e deitei-as ao caixote do lixo”.
Então, os seis amigos aproveitaram o seu momento de descanso, puxaram cadeiras, sentaram-se, esticaram as pernas e abriram umas cervejolas que nem houvera tempo de beber. Enquanto matavam a sede, o rapaz encarregado da limpeza foi despejar o lixo.
“Foi uma noite e peras, pá!” disse oTó Carvalho. “Foi uma noite boa, lá isso foi”, acrescentou oVenâncio. “Mas onde está o dinheiro?” perguntou o Sílvio Carvalho. “Em cima da mesa” , disse o Camané. “Em cima da mesa estão os boletins não vendidos” , replicou o Acácio Fernandes. “Qual quê? Eu mesmo pus aí o dinheiro”, reafirmou o Camané. Levantou os boletins sobrantes e, não querendo acreditar nos seus olhos, correu ao cesto dos papéis . O susto transformou-se em pânico: o cesto estava vazio. “Os papéis que estavam no cesto?” gritou o Camané. “Fui despejá-los no contentor” , foi a resposta do rapaz.
Correram todos ao contentor e aí, à mistura com cascas de melão, de melancia, folhas de couve e outros restos e porcarias tais que não se podiam cheirar nem se podem descrever, andaram à cata dos bocados das notas, tristes despojos da receita do Bingo dessa grande noite.
Recolhidos os pedaços das fedorentas notas, acompanhados de “Chiça, porra, as minhas mãos tresandam a tomates podres” (era o Tó Pires a barafustar) , foram logo pela manhã levá-los ao BNU. Alguém do Banco teve de construir o puzzle malcheiroso para saber a quantia exacta que ali estava. No final do dia o G.D.M. recebeu cerca de 20.000$00 em notas novinhas. Ah! Até cheiravam a máquina!

 Leiria 30 de Setº de 2011

Júlia Ribeiro 

9 comentários:

  1. Lembro-me perfeitamente desses dias de verão no jardim, era muita gente nesses dias em que o GDM fazia o Bingo, de domingo a domingo era de facto muita gente, outra bela estória contada pela nossa amiga, continue para o meu Grupo de Futebol de Moncorvo um grande abraço fizeram e fazem coisas extraordinárias, um grande abraço com muita amizade a todos

    Um Moncorvense

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  2. O que esse gajo fazia quando era puto continua a fazer agora que já é grande. Tem coisas que não lembravam ao diabo.
    Perguntem-lhe o que queria ser quando fosse grande.
    Ele sabe quem eu sou.

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  3. Mais uma peripécia do Camané,tão bem contada pela nossa Julinha.MAIS!

    Uma moncorvense

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  4. O justo - Quero ser polícia, para agarrar os bandidos maus!
    A heroína - Nãaaaao! Eu quero ser médica, para ajudar a minha avó a ficar boa!
    O desportista - Eu quero ser Futebolista, para ganhar muito dinheiro!
    Em coro - E tu? O que queres ser??

    - Eu? Já sou o que quero ser: actor.

    (O silêncio entra e sai de cena, cortante)

    A mãe - Preocupam-me estas ideias...isto não tem futuro. Tem de saber isto já de pequeno! Não é sequer uma profissão...
    O pai - Deixa isso...ele vai esquecer. Amanhã já vai querer ser outra coisa...veterinário! Todas as crianças sonham! Vai tudo correr bem, descansa! São só miúdos...

    Final: O justo, que queria ser polícia, foi analista.
    A heroína, que queria ser média, foi secretária numa empresa.
    O desportista, que queria ser Futebolista, foi bancário.

    O menino, que já era o que queria ser, foi, simplesmente, feliz.

    Se apenas a ambição chegasse, todos os três irmãos teriam sido aquilo que sonhavam.
    "Mas, então, qual a receita para ser feliz naquilo que faço?" Perguntamo-nos sempre...

    Acreditar em mim.
    Acreditar que o vou ser; que já o sou.
    Não deixar que ninguém me mate o sonho. Porque, como disse um dia António Gedeão, "o sonho comanda a vida".

    "O que queres ser quando fores grande? - Eu vou ser actor!"
    Porque os sonhos são possíveis.

    obrigadoa Drª Julia Ribeiro pelas excelentes estorias que conta neste blog

    Camane Ricardo

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  5. Estou a imaginar esses gajos a meter as mãos nos tomates podres mas dinheirinho é monei.

    Vitor S.

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  6. Muito lindo, Camané! Isto é poesia. Para mim um espanto, pois nunca adivinhei esta sua faceta. Parabéns.

    Um abraço muito grande
    Júlia

    E nunca mais me chame Dra., OK?

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  7. Este gajo é um espanto para toda a gente. Vão vê-lo representar no Alma de Ferro. Ele parece que nasceu para aquilo. Mas que é desnorteado também é. E grande AMIGO.

    Um abraço ao Grupo.

    Uma fã do Alma de Ferro.

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  8. Também sou fã dos contos da Dra. Júlia Ribeiro. Acho que conta muito bem sem palavras complicadas . Temo-nos rido com todos e então com os do Camané, nem queira saber.

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  9. Para todos os visitantes e Amigos ( meus e do Camané) aqui fica um abraço muito grande pelas vossas palavras tão amáveis.

    Júlia e Camané

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