domingo, 8 de janeiro de 2012

"Moncorvo, Zona Quente na Terra Fria" (1974) III

«A TERRA HÁ-DE SEMPRE VALER A TERRA»

- DIZ UM FEITOR DO VALE DA VILARIÇA

 O vale da Vilariça, a sudoeste do distrito de Bragança, é uma das regiões mais férteis do País, mas quando nos deitamos a adivinhar, quando pensamos a agricultura em termos de «indústria ao ar livre», então pomos a hipótese (e há quem a ponha muito claramente) de não estar a ser feito ali o que a terra possibilita.
Contou-me o sr. Alípio, feito da Quinta do Carrascal; «Eu não sou estudante mas já disse aos meus patrões: a terra há-de valer a terra.» E numa crítica com endereço visível: «Nós sem maçãs passamos bem, sem pão é que não…»
Pelas suas condições para a policultura, já um dia compararam o vale da Vilariça ao do Nilo. Sobre a fertilidade não há dúvidas: o sr. Júlio de Oliveira Pimentel, segundo visconde de Vila-Maior, escrevia em Chanvre de Vilariça que as melhores terras de França ou de Itália não sofriam comparação com estas. Citava estatísticas: - produção média da região de Bolonha, ao tempo do livro: 1200 qs. / hec.; - idem da região de Isera: 1000 qs. / hec; - idem do Maine-et-loire: 780 qs. / het.; - vale da Vilariça: 1580 qs. / hec.
Solo rico, condições climáticas privilegiadas, a Vilariça arrancou de um moncorvense o seguinte desabafo: «Quando isto um der massa e bacalhau, já não é preciso ir para outro lado!» 
O vale da Vilariça estende-se por três concelhos (um deles Moncorvo). Corresponde a uma talha geológica. Quando do da formação dessa falha, o Douro, sofreado no curso normal, desviou-se para noroeste contornando uma montanha. Ora, ali mesmo ia desaguar o Sabor, seu afluente: as águas desde passaram a refluir regularmente, alagando o vale. É a «rebofa», «rebofa» que engrossa a ribeira da Vilariça (afluente do Sabor) e será a principal responsável pelos espessos aluviões do vale.
Entretanto, se um acidente geológico explica a riqueza da Vilariça, não a explica toda. Há que acrescentar-lhe, como factor também determinante, o climatérico: reina no vale um microclima mediterrâneo que cem anos atrás, por exemplo, dava melões de 10/15 quilos e pés de cânhamo com mais de dois metros de altura.
Nesta zona de Moncorvo os desvios térmicos anuais são os de maior amplitude no continente. Por seu lado a amplitude higrométrica é também a mais elevada do continente. Terra rica do ponto de vista agrícola, a Vilariça tem a marcá-la simultaneamente um teor apreciável de insalubridade. Muita gente me falou do «tempo das sezões».


160 PIPAS DE BENEFÍCIO
Entre os grandes proprietários da Vilariça citaram-me os nomes da marquesa de Ponte de Lima, D. Irene Dulce de Oliveira de Vasconcelos e Sousa (Quinta da Granja); António José de Oliveira, irmão da precedente (Quinta de Vila-Maior); Dr. Águedo de Oliveira; Prof. Miller Gerra (Quinta do Carrascal) e dois irmãos; António José Teixeira de Sousa Serôdio (Quinta da Terrincha); António Gonçalves Martinho Jr. (Quinta da Silveira); Dr. Horácio de Sousa (Quinta da Pedra de Anta); António de Castro Pizarro (Quinta Nova); Dr. António Maria Tenreiro (Quinta do Ataíde); e António Abrunhosa de Morais Vaz (Quinta da Portela). Há depois retalhos de uma infinidade de parceiros, sobretudo para norte.
Um informador da zona disse-me que a Vilariça tem a sua produção mais marcante ligada ao regime de grande propriedade, por administração directa ou colónia (percentagem da produção + prestação de certos serviços, por prazo de 10/15 anos). Quando à extensão do úbere vale, falou-me em 40 Quilómetros - «quase até Mogadouro».
A Quinta do Carrascal, que visitei demoradamente, faz 10 000 litros de azeite por ano (digamos: fez no último ano). Trigo: 50 toneladas. Amêndoa menos: média anual, 30 arrobas (60 «quanto carrega»). Faz muita outra coisa, como veremos.
O Sr. Alípio estava agradado da informação que me prestou sobre o vinho: « Cento e sessenta pipas para benefício!»
As pipas para «benefício» referem-se à quantidade autorizada a ser aproveitada para vinho do Porto. Um dado importante: até ao ano passado o produtor de vinho do Porto contava com 5 contos por pipa; em 1973 a Central Vinícola da Régua pagou, segundo o Sr. Alípio do Carrascal, uma media de 13 contos por pipa. Apanharia assim o vinho de 27 cooperativas… (Vd. «Tempo Económico», número zero – quem o tiver, claro: traz a história dos «mosqueteiros» da Régua.)
No dizer do Sr. Alípio, «devia estar tudo com vinha e o resto com olival». E acrescentou: «Vamos pôr a vinha toda nas encostas.»
A vinha obstou a que o Carrascal (é uma das explicações, provavelmente não a de fundo) colaborasse mais de perto com o Complexo Agro-Industrial do Nordeste, o celebrado «Cachão». «Para o cachão» - informou o Sr. Alípio - «fizemos já só 70 toneladas de tomate e 20 a 22 de pimento. Creio bem que vamos acabar com isso… Sabe senhor, tínhamos que retirar pessoal da vinha para o pimento, que requer trabalho diário. Lá se perdia uma pipa em dois dias.»
Logo a seguir o feitor emendou: tomate afinal não fez no ano passado para o Cachão, e quando o fazia era para lho pagarem (aos patrões) a $70 o melhor, $60 o pior. O pimento paga-o o Cachão por 2$20.
Sopraram-me entretanto: «Pois é, se o Cachão quis pimento teve que ir comprá-lo no Sul…»
Uma queixa explícita do feitor do Carrascal é de que o Cachão «não assina papel nenhum». Leva os produtos e pagará mais tarde. «Ainda lá têm dinheiro nosso» - garantiu-me o Sr. Alípio.
Mas os produtores meridionais de pimento seriam mais bem tratados: produto entregue, dinheiro recebido. «É, é, recebem-no logo, e o nosso ainda lá está!»

"Moncorvo, Zona Quente na Terra Fria", texto Fernando Assis Pacheco. “República” Março de 1974 ,"TORRE DE MONCORVO , Março de 1974 a 2009", de Fernando Assis Pacheco ,Leonel Brito, Rogério Rodrigues, edição da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo.

4 comentários:

  1. Há uma tese sobre as febres da Vilariça por um médico de Vila Flor.Boa razão para uma visita e publicarem aqui.
    O que diria o autor ,Fernando Assis Pacheco, se visse o bom azeite de Moncorvo engarrafado e vendido em todo mundo.Estávamos na pré-história do marketinge da visão empresarial da agricultura.Uma peregrinação ao Carrascal e ver as diferenças.A agricultura na nossa região deu um grande salto qualitativo.Vinho e azeite são as bandeiras.As terras de má qualidade que eram exploradas com mão de obra escrava acabou.Caçadores ,arqueólogos e pastores passam por lá buscando o passado,coelhos e pasto.
    António G.

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  2. Sobre esta mesma quinta, com citação deste trabalho, foi publicado no Terra Quente, aqui há uns 10 anos um belo trabalho que podiam aqui incluir.

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  3. Quinta da Granja...onde eu nasci

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  4. O senhor Alípio, amigo do meu pai.. Boa gente, agora já nao há assim. Cresci e vivi em Moncorvo. De nome conheço aquelas quintas todas..a única onde estive e passei lá boas temporadas de menina , foi a do doutor Águeda Oliveira.. Tinha umas águas furtadas onde eu gostava de me esconder a abrir cestos, caixotes e baús deliciando me a folhear livros e revistas, que me faziam sonhar e viver outra dimensão..que será feito de tanto tesouro? A casa para mim era palácio, e em todo o tempo que eu lá estava com a minha avo eu era mesmo uma princesa..!

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