domingo, 3 de fevereiro de 2013

TORRE DE MONCORVO - JOSÉ INÁCIO, «CRIADO DAS VACAS»

O Sr. José Inácio vive paredes meias com a vila, num «bairro» suburbano. É produtor de leite. À noite vem sempre até um café. Conversa. Bebe. Vê televisão. Despede-se a horas certas para ir tratar das vacas.
«Eu das vacas sou mais criado que dono…»
As vacas dão leite, que o Sr. José Inácio vende de porta em porta, mas também dão um trabalhão dos diabos. Quer o leitor saber? O Sr. José Inácio tem casa, tem família, mas dorme normalmente na vacaria. Criados… Era bom, era. Criado é ele. Apesar de dono.
Já esteve na agricultura tradicional. «Fez» ervilha para o cachão. Pagavam-lhe tarde e a más horas. Um risco por cima das ervilhas.
«Faz» batata, mas só para ele e para a mulher.
«O pequeno lavrador está perdido, que lho digo eu!»
Leite para Moncorvo fornecem-no, com o Sr. José Inácio, mas quatro produtores. Entre a classe fala-se já de vender gado.
«Porquê? Ora havia de ser porquê… então se a ração aumentou de preço duas vezes no ano passado!»
O Sr. José Inácio, mais lido do que parecia (fui descobrir a «república» na vacaria, ao pé de um fardo de palha), olhou-me a direito nos olhos, piscou depois os dele e lançou-me a seguinte bisca:
«Lembre-se sempre deste dia, e do José Inácio que lhe está a dizer isto. Daqui a um ano as pessoas hão-de andar com um saco de notas de cem escudos e não terem que comprar…»
Como adora graças, o Sr. José Inácio contou-me logo a do burro que uma bela manhã adquiriu por vinte e cinco tostões.
«Passaram aqui uns miúdos com um burro velho. Iam deitá-lo aos lobos! Perguntei eu se mo vendiam. Ai não, não vendiam… ficou por vinte e cinco tostões, e olhe, vê-o ali ao fundo? Consertei-o…»
O Sr. José Inácio, que adora graças, adora também falar de coisas sérias, o que é muito mais curioso. Assim:
«Se a batata falta, e o leite, e a carne, é porque eles querem. Compram a carne a 120 para a venderem a 60, não sabia? Ora eu gostava que me dissessem: a quem pertence o subsídio, ao criador ou ao talhante? É, dão-no ao talho e tiram-mo a mim…»

In TORRE DE MONCORVO - Março de 1974 a 2009
De Fernando Assis Pacheco ,Leonel Brito, Rogério Rodrigues
Edição da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo

5 comentários:

  1. O Zé Inácio que nada sabia de politiquice, sabia mais de política - e da VIDA - do que os nossos políticos todos juntos.

    Júlia

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  2. Os Zé Inácios ao poder!

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  3. rebocava com o seu tractor, massey fergunson, os camiões entalados na rua das flores, enquanto a sua mulher media o leite inteiro com a nata amarela e o seu filho zé antónio acartava um balde de estrume em cada mão, horas a fio, após a escola, enquanto nós jogavamos á bola clandestinamente na canelha até que a joaninha dos correios, que se constava ser «bufa da pide» telefonava para a esquadra e então jogavamos aos polícias e ladrões com o polícia serra, madeira & Compª, bons tempos...

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  4. Luis Fernando Santos Santos disse: tive o prazer de o conhecer e conviver com ele, tanto na vacaria como na sua casa um exemplo. abraço

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  5. O senhor Zé Inácio...a micolofónia mais velha bebeu muito leite das vaquinhas deste senhor. Todos os dias a minha mãe lá ia ao fundo do prado e calmamente se esperava que ele mugisse as vacas, e ainda quente aquela delicia de leite era medido aos quartilhos para os canecos das freguesas..nao havia intermediarios..nao havia vacas nem bois loucos..! Já lá vão 36 anos..bons tempos de moncorvo..

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