terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Vale da Vilariça, por Aguedo de Oliveira


Fazendo contraste como o Roborêdo, a zona mais fértil e de cultura intensificada é a do Vale da Vilariça, localmente conhecida pela «Ribeira».'
São 22 quilómetros que vão da Serra de Bornes à foz do Sabor e de largura entre 2 a 6 e 8 quilómetros, encerradas entre fragadas dantescas área correspondente a uma herdade alentejana.
Trata-se provavelmente dum lago, nas origens do globo, tamanha a quantidade de seixos boleados que nela se espalham e a opacidade das suas terras.
Sobre a Vilariça dominaram, por muito tempo, concepções  hipertrofiadas, optimistas mas pejorativas. Ela — afirmava-se — se compunha de nateiros fertilíssimos, duma produtividade inigualável  Ela seria, a um tempo, o vale do Nilo e a Terra da Promissão. Dispensaria adubos. O milho cobriria um homem a cavalo. Arrendava-se quando se queria por mais de 1o% do seu valor. O cânhamo e os melões seriam milagre! A terra na verdade é fértil mas não fertilíssima. Sujeita a cheias e ao refluxo das águas do Sabor e do Douro, a «rebofa», muitas vezes a enriqueceu bem como os detritos arrastados das montanhas e pela degradação das suas faldas. Mas não está isenta de arrastamentos e destruições devido ao ímpeto das torrentes em derivação ou pela violência inopinada dos granizos e trovoadas. Não suplanta as lezírias do Tejo nem as hortas de Évora, nem os barros pretos de Beja. Antes pelo contrário.

Nos tempos anteriores ao rompimento do Cachão de Valeira as cheias eram mais regulares, arrastavam e desnudavam menos, enriqueciam mais e obtinham-se colheitas, porventura, famosas. As Inquirições monumentalizam as terras da Vilariça, objecto já de extorsões e de usurpações. Chamava-se o Prado da Ribeira e era aí por certo que se criavam as manadas de cavalos de tipo peninsular.
Reportam-se as mesmas inquirições às leiras de reguengas do Boêdo e às courelas que pertenciam ao rei.
O famoso Nuno Martins de Chacim, a Ordem do Hospital a Ordem de Santo António tomavam conta dos belos terrenos, chamavam-lhes seus, sem pagar foro.
A Vilariça compunha-se, em 1907 segundo o malogrado Mário Miller, de: Boêdo — aluviões da parte plana da Veiga e antigamente das courelas da Foz. Canameiras — antigamente as terras de cultura do cânhamo. Hoje as terras aluvionais da Vilariça distribuem-se desta maneira: Courelas — as glebas e sortes tiradas em largura do vale, na terra mais fértil, própria para a cultura de pomares, horta e cereais. Barrais — terras aluvionais de certa importância e extensão mas já consistentes e incorpadas a aproximarem-se das encostas. Boêdo — a parte central da Ribeira entre as quintas famosas. A seguir aos barrais e courelas sucedem-se os «barreiros» de argila muito compacta e próprios à cultura da vinha, da oliveira e do trigo. E as «sairinhas» terras arenosas, piçarras ampelíticas, também apropriadas à cultura da oliveira, da vinha e do nabal. Tal é a zona famosa que o povo diz ter de ser coberta de notas para se atingir o seu real valor, pagando-a pelo preço devido. As suas neblinas matinais tão traiçoeiras, as ardências africanas da zona subduriense, de Maio a Novembro, enquanto as rolas arrulham, as cheias impetuosas e destrutivas, o escalracho e as ervas daninhas em pastas inesgotáveis, tornam-na quase inabitável. Por isso as povoações se penduraram nos altos e dali avistam toda a variegada composição do tapete persa que é o vale, o qual, encerrando óptimas promessas anda carregado de decepções e prejuízos. Ele carece ser protegido contra as torrentes que descem e contra as «rebofas» que ascendem. O Ministério das Obras Públicas começou já os seus estudos, a fim de se estabelecerem diques de protecção, moderadores, apropriados ao ímpeto das correntes.Também com a sua ajuda se procedeu a desaçòriamentos, limpezas e rectificações, custeadas pelos proprietários. Mas uma cheia mais que inopinada destruiu e atrasou o trabalho que parecia excelente.Infelizmente tem de se recomeçar.Os capítulos das Cortes da 2.a dinastia referem os efeitos perniciosos da cultura do cânhamo que alimentava uma cordoaria, e a decadência das vinhas anteriores à Renascença.
Aguedo de Oliveira -1964 
In M.B.

2 comentários:

  1. Este texto está bem interessante!
    Até sob o ponto de vista linguístico, é muito rico.
    Eu só agora fiquei a saber, para aprender estamos sempre a tempo, do significado de "courela", "barrais" e de muitos outros.
    Leiam e partilhem.
    A.A.

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  2. Conheci perfeitamente o doutor Águedo Oliveira. A minha avo era cozinheira nas casas dele, ..o senhor doutor Águedo tanto na quinta da vilariça como em Macedo, quem lhe cozinhava deliciosos pratos era a minha querida avo( excelente cozinheira) . Ainda estive algumas vezes na quinta da vilariça, a casa era linda, tinha um sótão cheio de livros e fotografias. Eu passava lá todo o tempo, pois tudo aquilo me fascinava. Ele era uma pessoa de poucas falas, mas dizia me muitas vezes que tinha que estudar.. Ainda o estou a ver... Alto e magro, um nariz enorme e uns óculos pendurados nele, ..a caminhar nas Lages de pedra da cozinha enorme da casa de Macedo ...de principio ate lhe tinha medo. , mas com o tempo ate conversava com ele..

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