terça-feira, 30 de abril de 2013

SONHO DE FERRADURAS NO CAMINHO (II)


     [Pastor. Castro Laboreiro]
só ao longe reluz o idílio do pastor, escuro num umbral de branca lã, não se percebendo que pesos lhe aguenta o cajado: o jeito da alça do saco e o boné não atestam muita antiguidade no ofício, talvez um ato de resistência de quem sente que a vida é para ser tocada para diante; fechados em santuários de rações, ou tugúrio ou fábrica, cada vez menos enchem os rebanhos os caminhos, e nem parece que a este lhe quadre o nome de rebanho: uma dúzia de ovelhas e cordeiros, uma vaca de quem talvez se espere um vitelo, e o imprescindível cão; quando vender os cordeiros ficará tudo reduzido a meia dúzia de ovelhas, e com mais folgado caminho a vaca: até lá, resta-lhe esperar pelo tempo e uma boa feira, que há muito lhe fugiram os sonhos que Mofina Mendes dançou; a companhia do cão lhe basta para guardar o silêncio e ajudar na merenda, que os perigos vêm de lobos de que não pode o bom amigo defendê-lo; pachorrenta, vai pensativa a vaca enquanto, aberta a boca da sua nítida fenda, sonha a pata ferraduras que, em tempos idos, o lombo do caminho marcavam com seu ferro.

Luís Borges (foto) e Amadeu Ferreira (texto)

3 comentários:

  1. Perante o inesperado da ofensiva intrusa e tecnológica, a pachorrenta vaca, simbolizando força e dádiva nascitura, na sua prenhez ambulante
    contrasta com orelhas ariscas, de atalaia desconfiada e defensiva de duas ovelhas mais guichas.
    No idílico quadro pastoril,que Bernardim Ribeiro apadrinharia, observa -se o mais profundo respeito pelos petizes, esperando largar as saias de suas mães.irmanemos-lhes a despreocupação do malato, cornudo de doze primaveras, fazendo pela vida de ervas e pontas de silvas feita.
    Por desfastio ou por receituário, vai preparando a ruminância intestinal na companhia de estrela boieira ou de visita brincalhona de ratinho a pedir cócegas e abrigo em rabadilha felpuda e ensonada.
    Miscigenado, o cão que foi lobo, travestido de protector, dá ares de alsaciano e de filho adoptivo de emigrante. E a concorrência, sinal dos tempos , em que filhos-pastores ,abandonando Castro Laboreiros e Serras da Estrela, fazem gala de, enganando saudosismo à Pascoal ou mais vero, rude e façanhudo como as personagens torguianas se nos apresentam aquele filho-pastor bem pode ser o ancião da foto.
    Transumância farta do pastoreio capitalista da meseta compagina bem no seu contraste com a grandeza da pequenez do rebanho e da heroicidade do amealhar pecúlio com canhona de S.João tripeiro ou de anho de pascoela para animar apetites de lábios e intestinos a pedir dança de soricoté ou sabugueiro a concorrer com raminho de laranjeira virgem nas ,romarias de granito transmontano.. .

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  2. Que belo Livro se faz com este material que em boa hora apareceu no blog. É um livro para oferecer:vê que bonito é Tras-os-Montes,a minha terra.

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  3. Textos dignos de antologia. E as fotografias são uma maravilha.

    Abraços ao escritor e ao fotógrafo,
    Júlia Ribeiro

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