sexta-feira, 21 de março de 2014

Dia Mundial de Poesia - António Cabral

António Cabral e Amadeu Ferreira

AQUI, O HOMEM


Nem Baco nem meio Baco!:
                Aqui é o homem,
desde as mãos ossudas e calosas,
desde o suor
ao sonho que transpõe as nebulosas.

Montes de pedra dura,
              gólgotas
onde os geios são escadas!
Venham ver como sobe o desespero
e a esperança, de mãos dadas.

É o homem.
        Isso é o homem.
– Nem sátiro nem fauno –
Uma vontade erguida em rubro gládio
que ganha a terra, palmo a palmo.

Vinhas que são o inferno,
                   o único
em que o fogo é a taça da alegria!
Venham ver um senhor
grandioso como o sol ao meio-dia.

Nem Baco nem meio Baco!:
                Aqui é o homem
que nada há que não suporte
mas suporta e persiste.
Aqui é o homem até à morte.        

António Cabral, Poemas Durienses. – Vila Real : Minerva Transmontana (comp. e impr.), 1963

António Joaquim Magalhães Cabral nasceu em Castedo do Douro, concelho de Alijó, em 30 de Abril de 1931 e faleceu em Vila Real em 23 de Outubro de 2007. 
Era filho de Manuel António Teixeira Cabral (falecido em 1987), lavrador duriense remediado, e sua esposa Dona Ana Joaquina Magalhães (falecida em 1998). O casal teve ainda uma filha, Maria Celeste.

Terminado o ensino primário em Castedo, ingressa no Seminário de Santa Clara de Vila Real no ano lectivo de 1942-43, ali vindo a concluir o Curso de Teologia em 1954. Da sua passagem pelo Seminário dirá: «Eu, o que sou, devo dizê-lo, devo-o a esta Casa. Não foi o Curso Universitário que me ensinou alguma coisa. Foram os doze anos que aqui passei.» Nestas palavras há uma referência óbvia ao Curso de Filosofia que tirou na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e que o encaminhou para a carreira docente, exercida nas Escolas Secundária de São Pedro e Camilo Castelo Branco, e na Escola do Magistério Primário de Vila Real. Tinha, antes disso, exercido temporariamente funções de prefeito e professor no próprio Seminário onde se formou.
    Após a ordenação, foi encarregado pelo bispo da Diocese de exercer as funções de gerente da Minerva Transmontana e, depois, de dizer missa no Cotorinho, pequena povoação da freguesia da Campeã, Vila Real. O Cotorinho, perdido numa dobra das faldas do Marão, será, aliás, motivo para um poema incluído em Quando o silêncio reverdece, de 1971, em que se nota bem como António Cabral toma o partido dos humildes.
    Entretanto solicitou e obteve da Santa Sé dispensa dos compromissos assumidos como sacerdote, e em 21 de Maio de 1972 une-se em casamento com Dona Maria Alzira Gonçalves Vilela, professora como ele do Ensino Secundário, de quem teve duas filhas: Eva Maria e Lídia. As suas ligações familiares – tanto com seus pais e irmã como com a família que constituiu – são fortíssimas e as pessoas de família aparecem com frequência nos seus poemas como referências de grande afectividade e carinho.
    António Cabral era um homem activo e um cidadão interveniente, politicamente conotado com a esquerda, muito voltado para a problemática da cultura, com especial desvelo pela cultura de raiz popular, tendo desempenhado vários cargos em que pôs essa apetência e essa energia ao serviço da comunidade. Assim, foi Delegado Regional do FAOJ (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis) e do INATEL (Instituto Nacional de Aproveitamento dos Tempos Livres). Coordenou a vertente cultural e de espectáculo da Operação Pirâmide no distrito, no Natal de 1978. Tendo um elevado sentido do associativismo, fundou em 1979 o Centro Cultural Regional de Vila Real, organismo de que seria sucessivamente presidente da Direcção e da Assembleia Geral. Foi membro fundador da ANASC (Associação Nacional de Animadores Socioculturais), da qual ocupou também sucessivamente os lugares de presidente da Direcção e da Assembleia Geral, até 2001. O seu associativismo militante leva-o a tornar-se membro de inúmeras instituições desportivas, culturais e cívicas e também de grupos informais como a confraria dos Pyjamantes ou o grupo onomástico os Antónios.
António Cabral foi ainda o grande impulsionador da revitalização dos Jogos Populares a que se assistiu nos anos 80 com epicentro em Vila Real, e principal responsável pela realização de festivais de Jogos Populares, a nível nacional e internacional. Neste domínio tornar-se-ia aliás uma das mais importantes autoridades internacionais, tendo participado como expert do Conselho da Europa no II Estágio Alternativo Europeu sobre Desportos Tradicionais e Jogos Populares, em 1982. Desenvolveu uma importante actividade de investigação sobre ludoteoria, matéria em que elaborou e propôs teses inovadoras.
    Foi um grande animador do movimento que deu pelo nome de Setentrião, nos anos 60 do século passado, e mais tarde do Núcleo Cultural Municipal, nos anos 70. Foi co-fundador das revistas Setentrião (1962) e Tellus (1978; desta seria também o primeiro director), assim como do jornal Nordeste Cultural (1980), este no âmbito do Centro Cultural Regional de Vila Real. 
Deixou centenas de artigos dispersos por inúmeras publicações, desde logo as que ajudou a fundar, e outras comoOrdem Nova, cuja secção “Miradouro das Letras” dirigiu, Estudos TransmontanosLetras & LetrasSol XXISemanário TrasmontanoNotícias do DouroTerra Quente, etc, etc.
Está representado em numerosas antologias poéticas e livros escolares.
Foi distinguido com a Medalha de Prata de Mérito Municipal da Câmara Municipal de Alijó, em 1985, e idêntico galardão da Câmara Municipal de Vila Real, em 1980.

Sem embargo da notável consistência e extensão (mais de duas dezenas de títulos) da sua produção ensaística, nomeadamente no que respeita aos jogos populares e à ludoteoria, mas também à etnografia, à análise literária e outras; sem embargo também de uma obra narrativa de qualidade, embora relativamente pouco extensa, com relevo para os dois romances  Memória delta (1989), A noiva de Caná (1995); sem embargo ainda de algumas tentativas no campo da escrita teatral (a sua peça O herói ganharia o 2° prémio do III Festival Brasileiro de Literatura organizado pela Academia Teresopolitana de Letras, em 1964, e a peça em um acto Os muros de Verona foi apresentada na RTP-2) – é como poeta que António Cabral assegura um lugar cimeiro na nossa literatura. Num jornal regional, fazendo o obituário de António Cabral, Francisco Gouveia afirma acertadamente: «Foi um homem que, entre todas as suas actividades, cultivou a poesia, assim como uma espécie de cimento que ligava todas as outras.»
A. M. Pires Cabral considera-o o maior poeta do Douro, sobretudo do Douro laboral, dos humildes e explorados, cujo drama transparece recorrentemente nos seus poemas, apresentado com grande simpatia humana e solidariedade. No poema “Homo, mensura”, de Poemas durienses, de 1963, proclama: «Eu não irei convosco, puros habitantes do sonho. / O meu lugar é aqui, entre os homens: / falo a sua linguagem, sinto as suas dores (…)». Não é que o Douro das paisagens soberbas lhe seja indiferente. Mas é principalmente o Douro humano, com a sua epopeia diária, que o interessa. Dir-se-ia que o rio lhe corre nas veias, com todo o seu caudal de sofrimento mas também de esperança.
Fruto deste comprometimento com os homens, viu alguns poemas seus serem cantados por Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e Francisco Fanhais. 
A sua obra poética é muito extensa: Sonhos do meu anjo (1951), O mar e as águias (1956), Falo-vos da montanha(1958), A flor e as palavras (1960), Poemas durienses (1963), Os homens cantam a nordeste (1967), Quando o silêncio reverdece (1971), A hierarquia dos na(ba)bos (1976), Emigração clandestina (1977), Aqui, Douro – This is Douro – Ici, Douro (1979), Entre o azul e a circunstância (1983), Novos poemas durienses (1993), Bodas selvagens (1997),Antologia dos poemas durienses (1999), O peso da luz nas coisas: poemas de Natal (2000) e Ouve-se um rumor(2003), que traz anexo Entre quem é


FONTE:http://gremio.cm-vilareal.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=130:ant-cabral&catid=33:poesia-trasmontana-e-alto-duriense&Itemid=54

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.