quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Raízes, por José Mário Leite

Pires Cabral.
Esta crónica nasceu em Bragança, no auditório Adriano Moreira. Deveria ter sido enviada para publicação na semana passada. Tal não aconteceu porque, propositadamente, quis resistir à tentação de cair no facilistismo e no coro de lamúrias que, infelizmente, os tempos que correm, justamente, patrocinam. Quis refletir durante uma semana e, sobretudo, ir ao cinema ver o “The Monuments Men – Os Caçadores de Tesouros”. Ainda bem que o fiz. Não, não posso concordar nem de perto nem de longe, que qualquer obra de arte possa justificar a vida de um ser humano. Desconte-se isso e a sendo certo que, segundo o próprio Frank Stokes “com tanta gente a morrer quem quer saber de arte?”  não deixa de ser absolutamente verdadeiro que “se pode arrasar uma geração inteira, reduzir as suas casas a cinzas, mas ainda assim elas regressarão. Mas destruindo a sua história destroem-se as suas realizações e é como se nunca tivessem existido.”
 Por mais que me esforce, não consigo escapar ao lugar comum do momento: o nordeste está em processo de destruição! Cada vez há menos gente. Cada vez há menos serviços. Cada vez há menos recursos. A austeridade sendo igual ao resto do país, é mais dura aqui! E quando há mais desemprego, mais pobreza, mais dificuldades, mais necessidades básicas, quem quer saber de arte, de literatura?
Pois é quando esta enorme desgraceira nos cai em cima, quando quem supostamente nos devia acudir nos afunda extinguindo serviços e ameaçando acabar com os poucos que vão sobrando, quando os ramos secam e pedem poda, que é necessário tratar das raízes e garantir que ao menos essas continuarão agarradas ao solo materno que nos garantirá a permanência e a existência.
Em Bragança, em Lisboa, no Porto, em Paris, Nova Iorque, Singapura, Camberra ou Sidnei, todos os que se identificarem com o torrão materno, todos os que aqui se revêm e reconhecem, continuarão a ser transmontanos, continuarão a ser nordestinos. E o Nordeste existirá, mesmo que espalhado e repartido pela geografia da nossa diáspora. Porque a memória nos lembra quem somos e de onde vimos. E é essa a razão pela qual a preservação dessa memória não é só um dever, mas um imperativo. De sempre e muito mais de agora!
 A Academia de Letras de Trás-os-Montes está a levar a cabo uma obra notável. Fruto da generosidade e empenho do moncorvense Leonel Brito vai produzir onze DVD’s com as memórias de outros tantos vultos da literatura transmontana a saber: Bento Gonçalves da Cruz, João Barroso da Fonte, António Lourenço Fontes, António Manuel Pires Cabral, António Passos Coelho, Hirondino da Paixão Fernandes, António Modesto Navarro, Júlia Guarda Ribeiro, Borges Coelho, Adriano Moreira e Aniceto Afonso, sendo que os depoimentos dos oito primeiros estão já executados. É a memória cultural de Trás-os-Montes! Espera a Academia que as Câmaras Municipais, sobretudo aquelas da naturalidade dos entrevistados, adquiram alguns exemplares contribuindo assim para o esforço que tal empresa requer.

No que me toca tenho de reafirmar o que afirmei na última Assembleia Geral da Academia: Não é sequer uma questão de opção. É uma obrigação! Enquanto instituições representativas das populações, as autarquias transmontanas (todas e não só algumas!) não podem fugir a este desígnio inalienável: adquirir vários exemplares destes DVD’s para as respetivas Bibliotecas Municipais, Arquivo das Escolas e para a própria Câmara, obviamente, para oferecer e promover a nossa terra. Claro que as autarquias de onde são alguns dos entrevistados deverão fazer sessões especiais de apresentação e lançamento das respetivas obras. Mas isso já não é nada que se lhe deva pedir. Pelo contrário, esse é o seu privilégio que os mesmos e a Academia lhes proporcionam e portanto nada mais lhes resta fazer que colaborar e patrocinar todos os eventos programados.
Nota final: para que não fiquem dúvidas nem se julgue que há valores desmesurados de aquisição e/ou subsídios é preciso deixar muito claro que o que a Academia de Letras espera receber na totalidade, se dividido pelas Câmaras Transmontanas o que toca a qualquer uma delas é pouco mais que uma centena de euros! Esperamos que a contribuição autárquica seja substancialmente superior!

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