segunda-feira, 9 de junho de 2014

O POVO DO NORDESTE - Vivências, por Amélia da Conceição Inocêncio de Sousa Ferreira-Pinto

Nascido e criado no Nordeste Transmontano. «além do Rio» (Sabor), como diria a Autora, onde recebi a maior parte dos valores e princípios morais e religiosos que me enformam, foi com grande satisfação que me confrontei com as agradáveis «vivências» que este precioso livro contém e que gostosamente acedi a escrever estas singelas palavras de apresentação. Relembram e mostram todas essas vivências, contadas em linguagem simples e típica da região, como e principalmente na primeira metade do século xx, foi grande e quase heróica a luta pela vida dos homens e mulheres do Nordeste Transmontano, luta e sofrimento que não são capazes de ajuizar, ou mesmo de aceitar, todos aqueles que tendo então nascido e vivido em grandes aglomerados populacionais, apenas conhecem o conforto, a abundância e vêem superfluamente satisfeitas as suas necessidades primárias. E as vivência que a Autora tão bem nos transmite, em linguagem clara e simples do povo, fazem ver como a vida era dura, penosa e sacrificada, nessa tão esquecida e ainda hoje abandonada região. Mas tornam também evidente como esse povo era tão ingénuo e ao mesmo tem, abundantemente possuído de elevados sentimentos altruístas e de uma humanidade e bondade a todos os títulos louvável e exemplar. E se hoje algo mudou, não se sabe se para melhor se para pior, relembrar e deixar escrito para os vindouros, como eram os usos e costumes naqueles tempos e como era o modo de ser e viver das gentes simples daquelas terras, é tarefa digna de todos os encómios e aplauso.

A Autora que embora ali não tenha nascido, ali viveu quando jovem e ali vai frequentemente, e ali se apercebeu, memorizou e sentiu, tudo quanto agora perpetua neste seu encantador livro, o que faz numa linguagem sóbria, incisiva. acima de tudo bem castiça, utilizando vocábulos conhecidos apenas daqueles que então ali viviam e ainda vivem, alguns dos quais os autores dos nossos melhores dicionários não conhecem ou não quiseram conhecer, como sejam pula, lafrau, soto, benairo e tantos outros, descrevendo momentos e cenas de evidente crueza mas também de puro lirismo, tendo quantas vezes por cenário a terra fria e agreste dessas paragens montanhosas. E é também nessa linguagem, usando esses vocábulos tão únicos e tipicamente transmontanos que nos relembra e permite avaliar como era duro e que voltas era preciso dar para cozer os folares, apanhar a azeitona, moer o pão. apanhar, curar e tecer o linho, e como trabalhavam nos seus ofícios o alfaiate e o sapateiro. E como esquecer e não generalizar a descrição de personagens tão elucidativas e tão características do nosso bom povo, como sejam a do Fadista, a Filomena do Curral. a Maria do Pé Leve, a Dama do Açafate, o ourifeiro e os potriqueiros? E é com sofrida saudade que a Autora nos refere mais de uma dezena de aldeias ou povoações, de aquém e de além do rio, desde o Sardão a Carviçais ou desde os Cerejais à Saldonha. E é também com saudade que nos faz relembrar e como que reviver os alegres e despreocupados momentos vividos nas festas do Santo Antão da Barca e da Nossa Senhora do Caminho ou mesmo na feira dos Gorazes em Mogadouro. São, pois, de elevado sentimento, por vezes de alguma crueza mas sempre de muito e puro lirismo, os momentos que povoam estas deliciosas páginas, escritas em linguagem sóbria, castiça e vernácula, muito incisivas e carre-gadas de humanidade. Ficção ou não estas «vivências», vividas ou não e parece que sim, pelo menos algumas delas, pela própria Autora, é delas por certo que provém parte do seu cerne de grande escritora que é. Principalmente todos os que somos transmontanos e em Trás-os-Montes temos as nossas raízes, é com redobrada emoção quase sofreguidão que ao ler e sentir estas «vivências», nos sentimos regressados à nossa meninice e cada vez mais transmontanos.

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