sábado, 20 de dezembro de 2014

IGREJA MATRIZ DE FREIXO DE ESPADA À CINTA, por Emílio Remelhe

MATRIZ COM "M" DE MEMÓRIA

Durante o sonho dos homens, a Terra não dorme. Dá muitas voltas consigo mesma. Em tempos de que não há memória, os planaltos mudaram de Lugar, as montanhas afastaram-se dos mares, os vales convidaram rios a passar. Quando se acalmou, o corpo feito terra, água, fogo e ar, fez-se também abrigo. Os homens guardaram-se das intempéries e dos animais. Desenharam espaços, dividiram lugares, levantaram paredes. Para se protegerem de outros homens, para se encontrarem com deuses. Muros para o corpo, desenhos para a alma. Nada nasceu do nada. Lugares, formas e gestos nasceram por necessidade, por desejo, por determinação. Por isso, cada memória traz consigo muitas outras, entrelaçadas. Nas nossas viagens cabe a terra toda. Na nossa memória cabe o mundo inteiro. No nosso mapa liga-se o conhecido e o desconhecido, à espera de oportunidade. Chegámos a Freixo de Espada à Cinta, onde a terra parece estar mais perto do sol e o rio brinca às escondidas com as montanhas, sem pressa de chegar ao mar. Vimos igrejas-salão na Alemanha, em França, na Inglaterra. Em Portugal, o Mosteiro dos Jerónimos e o Convento de Jesus em Setúbal. Ver uma coisa é ver e saber outras. E é preciso fechar os olhos a tudo o que vemos de igual ou parecido, para melhor ver o irrepetível. Cada lugar é único, tal como cada rosto. Para conhecer o templo de São Miguel Arcanjo é preciso ouvir, ver e sentir, dentro e fora de portas. Sentir este e o outro lado das paredes. É que a fé dos homens é uma só e distribui-se pela terra, pelos frutos, pelas mãos, pelas palavras, por Deus. Alguém com ar de quem atravessou todos os séculos diz que as coisas são como são, que sabemos apenas o que sabemos e pronto. Alguém que nos leva a ver muito mais do que poderíamos imaginar.
EMÍLIO REMELHE

Fonte: "ONDE NADA SE REPETE" - crónicas à volta do património. (excerto)

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