segunda-feira, 30 de março de 2015

1975 - O ALEPH NORDESTINO, por José Mário Leite

1975
O ALEPH NORDESTINO

1975 de Tiago Patrício é uma espécie de Aleph nordestino. O autor concentra numa aldeia do nordeste (que, enquanto leitor localizo algures entre Carviçais de Moncorvo e uma qualquer aldeia raiana de Freixo de Espada à Cinta) todo o mundo político, social e religioso do Portugal pós-revolucionário. Histórias várias, reais, imaginadas, importadas, engraçadas, dramáticas, caricatas, extraordinárias, entusiasmantes e que têm o condão de nos prender ao enredo, desde a primeira à última letra do romance, num moisaco muito lusitano, muito datado. É gratificante reviver esses tempos heróicos e dramáticos, sobretudo para quem viveu essa época no auge da juventude, precisamente, a partir deste recanto transmontano onde toda a ação se desenrola. Verdadeiramente, o centro do furacão estava em Lisboa, onde tudo aconteceu. O autor transporta-o para Trás-os-Montes com a viagem “inaugural” de Horácio, o espectador priviligiado desta aventura múltipla, recheada de transmontaneidade, sobretudo nos usos e costumes. Com algumas curiosas caraterísticas.
A primeira poderia entitular-se de “a direita que começa à esquerda”.  É uma curiosidade que gostaria de um dia ver esclarecida pelo autor por estar certo que não se trata de uma mera coincidência. São demasiadas as ocorrências para que tivessem acontecido por acaso. Refiro-me aos nomes próprios dos principais protagonistas que, politicamente, se situam na ala direita da política. Começam todos pela primeira letra do alfabeto que, na geografia gráfica da nossa escrita situamos, invariavelmente à esquerda: Amadeu, Augusto, Alexandre, Abílio, Adriano, Alfredo, Alfaiate, Adelina...

A segunda tem a ver com a componente temporal. Tal como no Aleph há uma substancial concentração do tempo. Nesta aldeia nordestina concentra-se todo o enredo revolucionário e todo o tempo revolucionário é concentrado no período limitado da ação do romance. Uma leitura atenta facilmente verá no fervor revolucionário da época duas dimensões distintas que só anos mais tarde serão visíveis na sociedade portuguesa pós-PREC. Na romanceada organização revolucionária local debatem-se, desde cedo, duas correntes que, no tempo real, farão  o seu caminho e percursos diversos e divergentes, com o correr dos anos. Lado a lado com a corrente idealista que serve a causa pela causa e que continuará fiel aos seus princípios mantendo-se no espaço político mesmo que com adaptação ao tempo e à realidade aparece desde cedo a outra em que o fervor revolucionário, não se opondo á prossecução do bem comum, se move essencialmente pelos interesses pessoais e materiais dos respetivos atores. Tudo fica esclarecido, no romance, nesse ano mágico e fabuloso. No país, tal evolução aconteceu ao longo de vários anos. Passado o tempo necessário e suficiente, encontrámos, vários antigos revolucionários, do outro lado da barricada, felizes e contentes, acomodados em confortáveis lugares proporcionados por organizações partidárias que, nessa altura, combatiam feroz e “heroicamente”.

A componente etnográfica e a recuperação de hábitos e costumes antigos e muito nossos é um (agradável) bónus para o leitor!

José Mário Leite



2 comentários:

  1. Terezinha Fatima Martins · Amigo/a de Eliane Ayres:
    Instigante a citação: "Histórias várias, reais, imaginadas, importadas, engraçadas, dramáticas, caricatas, extraordinárias, entusiasmantes e que têm o condão de nos prender ao enredo, desde a primeira à última letra do romance, num moisaco muito lusitano, muito datado. É gratificante reviver esses tempos heróicos e dramáticos, sobretudo para quem viveu essa época no auge da juventude, precisamente, a partir deste recanto transmontano onde toda a ação se desenrola.

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  2. Terezinha Fatima Martins · Amigo/a de Eliane Ayres:
    Muito obrigada pela indicação, Eliane! Vou verificar aqui na Livraria próxima! Beijos

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