terça-feira, 24 de março de 2015

PASSOS PERDIDOS - CRÓNICA DO FUTURO, por José Mário Leite


Dia 25 de Fevereiro, a centenária  livraria Ferin era pequena para acolher as dezenas de transmontanos que se juntaram a vários escritores ilustres para assistirem, por antecipação, à contemporânea queda de um anjo. É-lhes apresentado José Luciano de Castro em atualíssimo discurso de 150 anos pela voz autorizada e eloquente de Ernesto José Rodrigues. O referido discurso subirá no próximo dia 9 de Abril à tribuna parlamentar da Assembleia da República a ser lido por João Felix Filostrato em inédita intervenção, depois de quarenta anos de apagada carreira parlamentar. A sua queda acontecerá logo depois como forma de exposição das várias fraquezas e fragilidades da vida política portuguesa. 

O romance Passos Perdidos do nordestino Ernesto Rodrigues mergulha nos meandros político-partidários pela visão poliédrica de jovens protagonistas envolvidos em atividade suspeita que apenas por ser direta e explícita se afasta da realidade: um banco de investimento quer vender um projeto-lei a um deputado. 
À volta deste objetivo linear desenrola-se uma trama de acontecimentos vários de índole diversa e complexa. Não espere o leitor uma narrativa linear e explícita. Essa pode ser a visão do historiador. O autor é romancista e interessam-lhe mais as visões dos vários intervenientes, mesmo que desfocadas, irreais ou totalmente enganadoras, como salientou. Resulta dai uma narrativa caleidoscópia. As propositadas confusões de nomes das gémeas Nádia e Nídia e dos tríplices homónimos João Félix envolvem-nos numa teia de sentimentos onde se defrontam interesses vários e factos diversos. Ressaltam inequivocamente realidades que escapando aos inconseguimentos, dos sagrados softpower da política caseira, se perfilam perante o leitor obrigando-o a olhá-las de frente. 
A primeira é a frágil estrutura do quarto poder (a comunicação social) facilmente manipulável pela sua enorme apetência pelo espetáculo efêmero em detrimento da realidade por trás da aparência mediática. Não esquece a falta de estadistas nos partidos (em todos, de forma geral mas sobretudo no PNCNP - Partido Nem Carne Nem Peixe), lamento ouvido de viva voz na Rua Nova do Almada. Ressalta, de entre outras, uma proposta de elevado potencial a merecer conveniente e séria reflexão: substituir as dezenas de deputados borboleta que lançam beijos como causas fraturantes que se limitam ao "quem me dera", em estado permanente de quase quase a intervir, por uma mão-cheia de deputados, realmente interventores ostentando em cartaz visível o número de votos que representam sem esquecer o nome do escritório de advogados que concebeu e redigiu cada uma das leis em "discussão". Ganhava o erário público e, sobretudo, a transparência da causa pública. O ambiente parlamentar poderia ser preservado com recurso a aplausos, apupos, apoios e apartes pré-gravados.

Refira-se, para finalizar, que a ação decorre à volta da semana da paixão tirando partido da ignorância de quem só pensa em números, sobre a condição de feriado da sexta-feira-santa, aproveitando para nos deixar mais uma alegoria de Cristo a morrer por nós entre dois ladrões perdoando a dívida ao mais inteligente, optando o outro pela falência fraudulenta. 

José Mário Leite

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