Comunicação apresentada na Academia
Paraense de Letras, em Belém do Pará, Brasil, no dia 2 de Abril de
2012.
Quero apresentar uma academia de duas línguas na terra
mais montanhosa de Portugal, Trás-os-Montes, que, todavia, é uma região – e
assim os seus autores, a sua literatura − sem paredes.
Três condições se requerem na definição de cultura,
segundo T. S. Eliot: uma «estrutura orgânica» assente em classes sociais e
transmissão hereditária; a especificidade geográfica, ou «regionalismo»,
desembocando em «culturais locais»[1];
a religião, com seus cultos e devoções.
Olhando ao chão transmontano, seria ocioso confrontar
classe e elite, quando os grupos sociais mal se destacam e os antropólogos
ainda se deliciam com manchas de comunitarismo agro-pastoril. Considerada a
prioridade e riqueza deste, sucede «O principal canal de transmissão de
cultura» (p. 43), a família, conceito que salta facilmente as
paredes de um lar para formas colectivas. Assim se explicam estudos continuados
sobre o nosso romanceiro, ímpar no contexto nacional; sobre a oratura em prosa,
retrabalhada por vários ficcionistas; sem esquecer o disperso cancioneiro em
quadras de redondilha maior, exemplarmente recolhido em quinhentas densas páginas
do Cancioneiro Popular Transmontano e Alto-Duriense, de Guilherme
Felgueiras[2].
Sirva-nos o índice geral deste para entendermos, numa
Europa que se pretende de regiões, a pequena parcela transmontana. O seu
quotidiano é de relação: com a natureza, os mundos animal e
vegetal, entre galanteios e requebros, arrufos, chacota, «penas de amor»,
relação que fundamos em três núcleos essenciais: vida social e moral,
incluindo-se, aqui, os costumes; vida material; linguagem.
Na vida social e moral, convergem bodas,
baptizados, ritos fúnebres, demandas, outros eventos; com datas fixas, há
cerimónias religiosas, festas, Entrudo; constantes são a má-língua e as noites
ao calor da lareira. Serão, família, região − eis uma tríade feliz, base da
cultura intersubjectiva e social.
Mas a cultura reforça-se com uma componente
instrumental, um saber-fazer, na passagem à vida material: além da
cultura da terra (na origem do sentido literal decultura), de técnicas
ancestrais ainda em uso, de ofícios, indústrias caseiras, somem-se adornos e
trajes, alimentação, iluminação, etc. De tudo isto dá conta, miudamente, a leva
de etnólogos, antropólogos, sociólogos, historiadores (sobretudo, historiadores
das mentalidades). O estado de conservação de Trás-os-Montes
seduz, para lá de paredes que recebem sempre bem. Não menos atenta a esse chão,
e generosa, se mostra a literatura, alargando as potencialidades no campo da
linguagem.